Brasileiros são os capitalistas mais otimistas do globo

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por Humberto Siúves

Brasileiros são os capitalistas mais otimistas do globo

Somos o povo mais entusiasmado com o capitalismo no mundo. Quando questionados quanto à aceitação do livre mercado como forma de funcionamento da economia 43% dos brasileiros acreditam acaloradamente no capitalismo como a opção da vez e, de ombro a ombro com a China, 67% dos pesquisados brasileiros não vêem outra melhor opção (perdendo somente para a Alemanha no ranking apresentado). Índia vem em sétimo emparelhada com os EUA e Canadá, já Rússia não obteve posição relevante entre os 25 países pesquisados. O resultado desta enquete certamente reflete a presente situação e a perspectiva econômica dos entrevistados e não uma posição teórica sobre o mercado, ou seja, se está funcionando pra mim certamente é a melhor opção – meu interesse próprio como o norte das minhas opiniões, decisões e ações. Bom, opiniões que confirmam de forma redundante a ode ao interesse próprio do pai da criança do liberalismo econômico: um grande viva a Adam Smith e ao NOSSO self- interest!

[Fonte: O Globo]

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Honduras contra a história

Street in Yuscarán, Honduras

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Honduras II: Por sus métodos los conocerás (spanish)

By Their Methods You Shall Know Them (English)

 

Honduras contra a história

A Bíblia refere que, certa vez, os mestres da lei levaram uma mulher adúltera diante de Jesus. Pretendiam apedrejá-la até a morte, segundo a lei de Deus os obrigava, que então dizem que era também a lei dos homens. Mestres e fariseus quiseram provar Jesus, do que se induz que este já era conhecido pela sua falta de ortodoxia com relação às leis mais antigas. Jesus sugeriu que quem estivesse livre de pecado atirasse a primeira pedra. Assim, ninguém pôde executar a lei escrita.

Dessa forma e de muitas outras, a própria Bíblia foi mudando a si mesma, apesar de ser uma soma de livros inspirados por Deus. As religiões sempre se orgulharam de ser grandes forças conservadoras, que, enfrentadas pelos reformistas, se converteram em grandes forças reacionárias. O paradoxo está radicado em que toda religião, toda seita foi fundada por algum subversivo, por algum rebelde ou revolucionário. Por algo pululam os mártires, perseguidos, torturados e assassinados pelos poderes políticos do momento.

Os homens que perseguiam a adúltera se retiraram, reconhecendo com os fatos os seus próprios pecados. Mas ao longo da história o resultado foi diferente. Os homens que oprimem, matam e assassinam os supostos pecadores sempre o fazem justificados em alguma lei, em algum direito e em nome da moral. Essa regra, mais universal, foi a aplicada no próprio julgamento de Jesus. Em sua época, ele não foi o único rebelde que lutou contra o Império Romano. Não por casualidade ele foi crucificado junto com outros dois réus. Por associação, quis-se significar que um réu a mais estava sendo julgado. Nem sequer um dissidente religioso. Nem sequer um dissidente político. Invocando outras leis, tirou-se do meio o subversivo, que colocava em questão a «pax romana» e o colaboracionismo da aristocracia e das hierarquias religiosas de seu próprio povo. Tudo foi realizado segundo as leis. Mas a história reconhece-os hoje pelos seus métodos.

O governo de George Bush nos deu assunto de sobra e em grande escala. Todas as guerras e as violações às leis nacionais e internacionais foram acometidas em defesa da lei e do direito. Por seus interesses sectários, ele será julgado pela história. Por seus métodos seus interesses serão conhecidos.

Na América Latina, o papel da Igreja católica quase sempre foi o papel dos fariseus e dos mestres da lei que condenaram Jesus na defesa das classes dominantes. Não houve ditadura militar, de origem oligárquica, que não recebesse a benção de bispos e de sacerdotes influentes, legitimando assim a censura, a opressão e o assassinato em massa dos supostos pecadores.

Agora, no século XXI, o método e os discursos se repetem em Honduras como uma chibatada do passado.

Por seus métodos os conhecemos. O discurso patriota, a complacência de uma classe alta educada na dominação dos pobres sem educação acadêmica. Uma classe dona dos métodos de educação popular, como são os principais meios de comunicação. A censura, o uso do exército em ação de seus plano, a repressão das manifestações populares, a expulsão de jornalistas, a expulsão pela força de um governo eleito por votação democrática, seu posterior requerimento diante da Interpol, sua ameaça à prisão dos dissidentes se regressassem e sua posterior negação pela força ao fato de que regressem.

Para ver melhor esse fenômeno reacionário, vamos dividir a história humana em quatro grandes períodos:

1) O poder coletivo da tribo concentrado em um membro forte de uma família, em geral um homem.

2) Um período de expansão agrícola unificado por um totem (algo assim como um sobrenome vencedor) e depois um faraó ou imperador. Nesse momento, surgem as guerras e se consolidam os exércitos mais primitivos, não tanto para a defesa, mas sim para a conquista de novos territórios produtivos e para a administração estatal da sobreprodução de seu próprio povo e a opressão de seus povos escravos. Essa etapa continua com suas variações até os reis absolutistas da Europa, passando pela era feudal. Em todos, a religião é um elemento central de coesão e também de coação.

3) Na era moderna, temos um renascimento e uma radicalização da experiência grega de democracia representativa. Só que, neste momento, o pensamento humanista inclui a ideia de universalidade, de igualdade implícita de todo ser humano, a ideia da história como um processo de aperfeiçoamento e não de inevitável corrupção e o conceito de moral como um produto humano e relativo a um determinado tempo.

E, talvez, a ideia mais importante, já desde o filósofo árabe Averróis: o poder político não como a pura vontade de Deus, mas sim como o resultado dos interesses sociais, de classes etc. O liberalismo e o marxismo são duas radicalizações (opostas em seus meios) dessa mesma corrente de pensamento, que também inclui a teoria da evolução deCharles Darwin. Esse período de democracia representativa foi a forma mais prática de reunir as vozes de milhões de homens e mulheres em uma só casa, o Congresso ou Parlamento.

Se o humanismo é anterior às técnicas de popularização da cultura, ele também é potencializado por estas. A imprensa, os livros de bolso, os jornais de baixo preço no século XIX, a necessária alfabetização dos futuros operários foram passos decisivos para a democratização. No entanto, ao mesmo tempo, as forças reacionárias, as forças dominantes do período anterior rapidamente conquistaram esses meios. Assim, se já não era possível demorar mais a chegada da democracia representativa, era possível sim dominar seus instrumentos. Os sermões medievais nas igrejas, funcionais em grande parte aos príncipes e duques, se reformularam nos meios de informação e nos meios da nova cultura popular, como o rádio, o cinema e a televisão.

4) No entanto, a onda democrática seguiu seu caminho, com frequência regado a sangue pelos sucessivos golpes reacionários. No século XXI, a onda do humanismo renascentista continua. E com ela continuam os instrumentos para torná-la possível. Como a Internet, por exemplo. Mas também as forças contrárias, as reações dos poderes constituídos pelas etapas anteriores. E, na luta, vão aprendendo a usar e a dominar os novos instrumentos. Quando a democracia representativa não acaba de amadurecer, já surgem as ideias e os instrumentos para passar para uma etapa de democracia direta, participativa, radical.

Em alguns países, como hoje em Honduras, a reação não é contra essa última etapa, mas sim contra a anterior. Uma espécie de reação tardia. Mesmo que, na aparência, implique em uma escala menor, tem uma transcendência latino-americana e universal. Primeiro porque significa uma chamada de atenção diante da recente complacência democrática do continente. E, segundo, porque estimula o «modus operandi» daqueles reacionários que navegaram sempre contra as correntes da história.

Antes, anotamos as provas de por que o presidente deposto em Honduras não violou nenhuma lei, nenhuma Constituição. Agora, podemos ver que a sua proposta de uma enquete popular era um método de transição entre uma democracia representativa para uma democracia direta. Aqueles que interromperam esse processo colocaram marcha ré para a etapa anterior.

A quarta etapa era intolerável para uma mentalidade bananeira que se reconhece por seus métodos.

 

Tradução de Moisés Sbardelotto.

 

 

Intelectuais, clérigos e bufões do canibalpitalismo

Acto fundacional UPD. Mario Vargas Llosa.

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Intelectuales, clérigos y bufones del canivalpitalismo (Spanish)

Intelectuais, clérigos e bufões do canibalpitalismo


“O egoísmo capitalista resulta, pois, tão solidário que se assemelha àquele que prega a Bíblia”.
(Manual del perfecto idiota, pg. 226)
por Jorge Majfud [*]

No prólogo do Manual del perfecto idiota latinoamericano, (1996) Mario Vargas Llosa já insistia em que “Mendoza, Montaner e Vargas Llosa parecem ter chegado nas suas investigações sobre a idiotice intelectual na América Latina à conclusão […] de que o subdesenvolvimento é ‘uma doença mental’“. O novelista procura, numa espécie de ditadura monoléctica, definir ‘doença mental’ “como [uma] debilidade e covardia frente à realidade real e como uma propensão neurótica a evitá-la substituindo-a por uma realidade fictícia”. Tudo devido a “uma incapacidade profunda para discriminar entre verdade e mentira, entre realidade e ficção”. Na campanha eleitoral que Alberto Fujimori ganhou ao próprio Vargas Llosa em 1990, aquele reprovou a este ter “uma imaginação de novelista”, o que significava exatamente o mesmo que anos depois o autor deste prólogo reprova aos latino-americanos como sintoma característico de uma enfermidade: simplesmente qualificações pessoais (doença mental, incapacidade, debilidade, covardia, etc.) sem argumentos. Ou seja, isto é verdade porque o digo eu.

Um dos axiomas centrais do Manual consiste em dar a entender (ou crer) que vivemos naturalmente em sociedades amorosas — sobre isto Voltaire já ironizara —, onde não existem poderes de nenhum tipo interessados na dominação. Os recursos produtivos como o petróleo, as fontes de sobrevivência como a água, a multiplicidade de monopólios, a omnipresença da voz dos mais fortes nos meios de comunicação, a doações milionários dos bilionários às campanhas eleitorais, tudo, faz parte de um grande impulso fraterno para compartilhar a graça de Deus. Criticando os teólogos da libertação, os autores sustentam a atitude contrária: “O termo ‘libertação’ é em si mesmo conflitivo: apela ardorosamente à existência de um inimigo ao qual há que combater para por os desafortunados em liberdade”. E a seguir: “Será o Deus da justiça também o Deus da inveja? […] Os curas da libertação não notam que o capitalismo acaba por ser o sistema mais solidário de todos, um mundo onde a caridade […] é infinitamente maior que qualquer outro sistema. […] No capitalismo, todos colaboram com todos. O egoísmo capitalista resulta, pois, tão solidário que assemelha-se ao que prega a Bíblia”. (Fora do contexto qualquer um poderia atribuir esta frase a Marx.) Mais adiante, uma definição à la carte: “o capitalismo é uma palavra que simplesmente descreve um clima de liberdade no qual todos os membros de uma comunidade dedicam-se a perseguir voluntariamente os seus próprios objetivos econômicos”. Ou seja, Gengis Khan promoveu o capitalismo na Ásia muito antes dos modernos narcotraficantes.

Mas um sistema dominante não só precisa negar-se a si próprio como tal, tornar-se invisível, como também moralizar acerca da perigosa existência de tudo o que é marginal no seu próprio centro. A tese de procurar uma causa do subdesenvolvimento nas faculdades mentais de um grupo ou de um povo definido como fracassado não menciona, em momento algum, que função cumpre a tese em si mesma. Ou seja, a quem convém — de onde provém — esta catequese ideológica.

Este livro foi citado e recomendado por políticos e presidentes como Carlos Menem na cimeira da euforia primeiro-mundista que assolou os países do “continente idiota”, pouco antes do desastre econômico e moral de princípios do século. Mas não é uma novidade e sim uma tradição intelectual que remonta a Sarmiento ou pelo menos a Alcides Argueda (Pueblo enfermo, 1909). Só que sem o correspondente mérito histórico e literário.

Em 1550, para legitimar a exploração e genocídio dos nativos americanos, também o teólogo Ginés de Sepúlveda lançou mão da Bíblia. Perante o rei e a corte que debatiam a justiça ou injustiça da escravidão denunciada pelo sacerdote Bartolomé de las Casas, Sepúlveda citou o livro dos Provérbios. Segundo o famoso teólogo, “escrito está no livro dos Provérbios: ‘O que é néscio servirá o sábio’, tais são as gentes bárbaras e desumanas, alheias à vida civil e aos costumes pacíficos e será sempre justo e conforme ao direito natural que tais gentes submetam-se ao império de príncipes e nações mais cultas e humanas”. O próprio Hernán Cortés, invocando Deus depois de torturar e assassinar a galope aldeias inteiras, anotava nas suas cartas ao rei que a virtude da sua acção consistiu em deixar em paz aqueles povos selvagens. Para torná-lo mais legal, costumava ler-lhes, em castelhano, o comunicado de uma imediata submissão ao rei de Espanha, do contrário seriam submetidos pela força. E quando assim faziam, escrevia o herói, os mesmos caciques — que não sabiam uma palavra de castelhano — voltavam a chorar, arrependidos e reconhecendo que a culpa da destruição das suas aldeias radicava na sua própria estupidez. Por esta desobediência ao “direito natural”, afirmava Sepúlveda, a guerra empreendida pelo império era uma guerra justa.

Jorge Luís Borges, um intelectual funcional para a sua classe oligárquica, soube entretanto usar argumentos como recurso retórico principal. Certa vez recordou uma anedota: numa disputa entre dois, um deles lançou um copo de água à carta do outro. O agredido respondeu: “Muito bem; isso foi uma digressão. Agora espero os seus argumentos”. De um ponto de vista filosófico, talvez seja uma novidade histórica começar por definir o adversário dialético como “idiota” ao invés de atacar as suas idéias. De um ponto de vista histórico não; é apenas uma tradição: (des)qualificar o outro para perpetuar a sua opressão. Estas idéias responsabilizam os oprimidos pela sua opressão e ao mesmo tempo negam a existência desta. Legitimam uma ordem herdada de um pesado passado, mas em nome do progresso material e espiritual futuro.

Segundo Mário Vargas Llosa, a América Latina produziu destacados artistas, novelistas e pensadores delirantes, “tão faltos de profundidade e tanto ideólogos em contradição perpétua com a objetividade histórica e o pragmatismo”, tudo sintoma de idiotice. Faz-se implícito que o único caso em que um escritor, um novelista latino-americano é capaz de ver a realidade real e a objetividade histórica, no único caso em que não estamos perante as observações de outro idiota, é o seu próprio. Do contrário as suas afirmações anular-se-iam por si próprias, dada a sua suposta condição de perfeito idiota.

Não creio em absoluto que Vargas Llosa seja um idiota. É só parte de uma mesma lógica. Não é por acaso que ele os intelectuais funcionais condenam a “realidade fictícia” como produto de uma “doença mental” que impede o aceitar da “realidade real”. Porque realidade é o que existe (o canibalpitalismo). Portanto, se é difícil criar algo diferente no interesse de um sistema dominante que cria essa realidade, mais difícil ainda será fazê-lo se condenamos a liberdade da imaginação como um atributo da idiotice e do subdesenvolvimento. Essa mesma imaginação que se venera nos revolucionários e progressistas utópicos do passado que não se resignaram à “realidade real” do feudalismo o dos façanhudos negreiros do século XVIII ou da venda de carne humana nas fábricas do Progresso.

 

 
[*] Jorge Majfud, escritor uruguaio, professor de Literatura Latino-americana na Universidade da Geórgia, Atlanta, EUA.